segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

CONTRA PERFIS FANTASMAS NA WEB/ISSO É ATO ILÍCITO


Nem Freud explicaria mais. A Contra-Cultura e o Kitch continuam vendendo receitas mágicas de pseudo-literatura e orgamos virtuais. São pizzas poéticas prontas. O preço é a razoabilidade de acreditar na camuflagem, nas distorções, colagens, plágios e invasão do outro e uso indevido de identidade alheia. ISSO É ATO ILÍCITO! A marginalidade é bárbarie, e a cultura do espetáculo das Mídias impera em regime de supeficialidades. Perfis fantasmas infestam a tela e a vida real de quem neles e com eles se envolve com a magia de suas receitas prontas. Fast food com delírios de eternidades. Descartabilidade da palavra, descartabilidade do ser humano. Irresponsabilidade. Cade Freud? Se Freud não explica mais,com certeza cabe a Justiça social explicar e agir, intervir neste aviltamento de comportamentos anti-sociais e marginais contra a dignidade da pessoa humana. CONTRA PERFIS FANTASMAS NA WEB! ISSO É ATO ILÍCITO!!!

domingo, 6 de fevereiro de 2011

PAULO LEMINSKI




João Angelo Salvadori



Precisamos situar e entender a importância da obra de Paulo Leminski a partir de dois eixos fundamentais, que marcam a sua formação literária: o concretismo e a contracultura dos anos 60/70. Na obra de Leminski estas duas informações estéticas se fundem e adquirem uma nova dimensão, que fazem com que ele seja fundador de um novo e único momento na poesia brasileira da segunda metade do século.

Do concretismo veio, entre outras coisas, a informação de origem acadêmica, a visão em perspectiva da história da literatura universal, o radicalismo na valorização da palavra enquanto signo e matéria-prima básica do poema (a informação concretista talvez valha mais pelo seu conteúdo teórico/ crítico do que por sua produção literária propriamente dita, penso eu). Da contracultura veio o resgate da comunicabilidade (que fez tanta falta -- e até hoje faz -- a uma legião de poetas posteriores à primeira geração modernista), o humor, a desmistificação da "estética do profundo", o espírito meio anarquista e a veia transgressora. Dos dois, a valorização da concisão e o combate ao derramamento. Por esses dois caminhos Paulo chega ao haicai. A visada, no entanto, será sempre a do criador. O haicai é matéria para criação, e Leminski realmente alarga as possibilidades do gênero, sem o menor compromisso em manter-se dentro dos limites estritos da estética clássica japonesa, apesar de reverenciá-la e a ela reportar-se.
A legião de seguidores não é culpa sua, e enquadra-se perfeitamente no esquema de Inventores/ Mestres/ Diluidores proposta por Pound. Não é fácil ser genial, apesar da genialidade freqüentemente vir em embalagem muito simples.

Assim, o haicai para Leminski é informação, ponto de partida e muitas vezes de chegada (roupas no varal/ deus seja louvado/ entre as roupas lavadas), tudo a serviço do impulso criativo do poeta. A transgressão que ele pratica não é nenhuma heresia, é alargamento das possibilidades estéticas. Um sólido punhado de regras não vale uma só iluminação que um leitor de Leminski teve com um dos seus haicais ou trans-haicais. Parece-me justo criar obedecendo regras, mas não muito justo opor regras à criação.

Paulo Leminski, penso eu, foi um dos maiores criadores e divulgadores do haicai em língua portuguesa, e não um desviador de rota do gênero.



http://www.kakinet.com/caqui/leminski.htm

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

CLARICE LISPECTOR/FRAGMENTOS




"O bonito me encanta mas, o sincero, ah, esse me fascina" Fragmentos de Clarice Lispector



Nasceu em Tchetchenillk - Ucrânia, no ano de 1925. Os Lispector emigraram da Rússia para o Brasil no ano seguinte, tendo parado na Ucrânia somente para ter a filha Clarice, que nunca mais voltaria à pequena aldeia em que nascera. Fixaram-se em Recife, onde a escritora passou a infância.

Órfã de mãe aos 12 anos mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. Começou a escrever contos logo que foi alfabetizada. Entre muitas leituras, ingressou no curso de direito, formou-se e começou a colaborar em jornais cariocas. Casou-se com um colega de faculdade em 1943.

No ano seguinte publicava sua primeira obra: Perto do coração selvagem, iniciado cerca de dois anos antes. A moça de 19 anos assistiu à perplexidade nos leitores e na crítica e a repercussão de um estilo "muito diferente" para a época. Seguindo o marido, diplomata de carreira, viveu fora do Brasil por quinze anos, onde se dedicava exclusivamente a escrever.

Separada do marido e de volta ao Brasil, passou a morar no Rio de Janeiro. Em novembro de 1977 soube que sofria de câncer generalizado. No mês seguinte, na véspera de seu aniversário, morria em plena atividade literária e gozando do prestígio de ser uma das mais importantes vozes da literatura brasileira.





A descoberta do amor
“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.
Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez.
Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.”

Temperamento impulsivo
“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”

Lúcida em excesso
“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”.

Ideal de vida
“Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.
O que eu gostaria de ser era uma lutadora. Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros. Isso desde pequena eu quis. Por que foi o destino me levando a escrever o que já escrevi, em vez de também desenvolver em mim a qualidade de lutadora que eu tinha? Em pequena, minha família por brincadeira chamava-me de ‘a protetora dos animais’. Porque bastava acusarem uma pessoa para eu imediatamente defendê-la.
[...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, é muito pouco.”

Escritora, sim; intelectual, não

“Outra coisa que não parece ser entendida pelos outros é quando me chamam de intelectual e eu digo que não sou. De novo, não se trata de modéstia e sim de uma realidade que nem de longe me fere. Ser intelectual é usar sobretudo a inteligência, o que eu não faço: uso é a intuição, o instinto. Ser intelectual é também ter cultura, e eu sou tão má leitora que agora já sem pudor, digo que não tenho mesmo cultura. Nem sequer li as obras importantes da humanidade.
[...] Literata também não sou porque não tornei o fato de escrever livros ‘uma profissão’, nem uma ‘carreira’. Escrevi-os só quando espontaneamente me vieram, e só quando eu realmente quis. Sou uma amadora?
O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.”

A síntese perfeita
“Sou tão misteriosa que não me entendo.”

A certeza do divino
“Através de meus graves erros — que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles — é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.”

Viver e escrever
“Quando comecei a escrever, que desejava eu atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranqüila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes.”
“Não sei mais escrever, perdi o jeito. Mas já vi muita coisa no mundo. Uma delas, e não das menos dolorosas, é ter visto bocas se abrirem para dizer ou talvez apenas balbuciar, e simplesmente não conseguirem. Então eu quereria às vezes dizer o que elas não puderam falar. Não sei mais escrever, porém o fato literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura.
O que é que se tornou importante para mim? No entanto, o que quer que seja, é através da literatura que poderá talvez se manifestar.”
“Até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável”.

A importância da maternidade

“Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].”

Viver plenamente
“Eu disse a uma amiga:
— A vida sempre superexigiu de mim.
Ela disse:
— Mas lembre-se de que você também superexige da vida.
Sim.”

Um vislumbre do fim

“Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto...”

Textos extraídos do livro Aprendendo a viver, Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2004.

http://www.mocadosonho.com/2009/12/fragmentos-de-clarice-lispector.html

MIA COUTO/FRAGMENTOS


FRAGMENTOS DE MIA COUTO

Tinha tanto medo de solidão
que nem espantava as moscas

Quando já não havia outra tinta no mundo o poeta usou do seu próprio sangue.
Não dispondo de papel, ele escreveu no próprio corpo.
Assim, nasceu a voz, o rio em si mesmo ancorado.
Como o sangue: sem voz nem nascente.

A nossa língua comum foi construída por laços antigos, tão antigos que por vezes lhes perdemos o rasto.

Cada um descobre o seu anjo
tendo um caso com o demônio.

Identidade
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço

Destino
à ternura pouca
me vou acostumando
enquanto me adio
servente de danos e enganos
vou perdendo morada
na súbita lentidão
de um destino
que me vai sendo escasso
conheço a minha morte
seu lugar esquivo
seu acontecer disperso
agora
que mais
me poderei vencer?

Horário do Fim
morre-se nada
quando chega a vez
é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos
morre-se tudo
quando não é o justo momento
e não é nunca
esse momento

Ser, parecer…
Entre o desejo de ser
e o receio de parecer
o tormento da hora cindida
Na desordem do sangue
a aventura de sermos nós
restitui-nos ao ser
que fazemos de conta que somos.

Biofagia
É vitalício: comer a Vida
deitando-a entontecida
sobre o linho do idioma.
Nesse leito transverso
dispo-a com um só verso.
Até chegar ao fim da voz.
Até ser um corpo sem foz.

O Poeta
O poeta não gosta de palavras:
escreve para se ver livre delas.
A palavra
torna o poeta
pequeno e sem invenção.
Quando,
sobre o abismo da morte,
o poeta escreve terra,
na palavra ele se apaga
e suja a página de areia.
Quando escreve sangue
o poeta sangra
e a única veia que lhe dói
é aquela que ele não sente.
Com raiva,
o poeta inicia a escrita
como um rio desflorando o chão.
Cada palavra é um vidro em que se corta.
O poeta não quer escrever.
Apenas ser escrito.
Escrever, talvez,
apenas enquanto dorme.

O beijo e a lágrima
Quero um beijo, pediu ela.
Um sismo
abalou o peito dele.
E devotou o calor
de lava dos seus lábios,
entontecida água na cascata.
Entusiamado,
ele se preparou para, de novo,
duplicar o corpo e regressar à vertigem do beijo.
Mas ela o fez parar.
Só queria um beijo.
Um único beijo para chorar.
Há anos que não pranteava.
E a sua alma se convertia
em areia do deserto.
Encantada,
ela no dedo recolheu a lágrima.
E se repetiu o gesto
com que Deus criou o Oceano.

Nocturnamente
Nocturnamente te construo
para que sejas palavra do meu corpo
Peito que em mim respira
olhar em que me despojo
na rouquidão da tua carne
me inicio
me anuncio
e me denuncio
Sabes agora para o que venho
e por isso me desconheces


Natural da Beira, Moçambique, o galardoado escritor Mia Couto é considerado um dos nomes mais importantes da nova geração de escritores africanos de língua portuguesa. A escrita tem sido uma paixão constante, desde a poesia, na qual se estreou em 1983, com A Raiz de Orvalho, até à escrita jornalística e à prosa de ficção. Vencedor de vários prêmios, tem a sua obra traduzida em alemão, castelhano, francês, inglês, italiano, neerlandês, norueguês e sueco.



http://www.mocadosonho.com/2009/09/fragmentos-de-mia-couto.html

No Jogo da Web/contra os perfis fantasmas


No jogo da Web nunca se sabe a verdade dos perfis fantasmas. E a boa fé da platéia é elidida através de uma cultura de superfícies. A bárbarie do perfil fantasmagórico cria camuflagens poéticas de toda a natureza. Indícios seguros da hipocrisia e do império da inconsciência e da irresponsabilidade, da imaturidade e da patologia. Escrever exige responsabilidade e consciência, despertar da natureza do próprio caráter. Sonhos jamais crescem na amoralidade. O que não lhe pertence e voce se apropria do outro jamais será seu, nem o torpor da mendicância vivida no mais alto grau da mentira, seja em amor, em criações, a natureza é irrevogável em suas leis e o que se planta se colhe. Vestir a pele alheia e fazer cortesia com chapéu e fotografia do outro é digno de pena e é ato ilícito. Se a consciência não desperta para a própria natureza de que tudo que faz ao outro está fazendo para si, a natureza a passos sábios o fará cedo ou tarde mas, cabe a Justiça social através das leis coibir os demandos de abusos de comportamentos. Escrever é extensão da consciência do que se é.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

AUTOPSICOGRAFIA



AUTOPSICOGRAFIA

Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor
finge tão complementamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.


E os que o lêem o que escreve,
na dor lida sentem bem,
não as duas que ele teve,
mas só a que eles não tem.

E, assim nas calhas de roda
gira a entreter a razão,
esse comboio de corda
que se chama o coração.



PESSOA, Fernando. O Eu Profundo e os Outros Eus. Editora Nova Fronteira: RJ, 1980,pág. 104

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

“ROMANCE É CÂNCER DA LITERATURA”


“ROMANCE É CÂNCER DA LITERATURA”
Publicado no Jornal do Commercio, Recife, em 26.01.2011
Fernando Monteiro rema contra a maré, troca a ficção pela poesia e ataca as editoras brasileiras que tentam impor fórmulas de sucesso

Schneider Carpeggiani

O escritor Fernando Monteiro ostenta um novo alvo, desta vez a “sagrada instituição” do romance. Em entrevistas e palestras recentes, tem continuamente se referido ao gênero como o “câncer da literatura” e afirmado que, daqui para frente, pretende se dedicar à poesia. E estamos falando de um autor responsável por romances elogiados, como Aspades ETs etc., lançado primeiro em Portugal, em 1997.Neste momento, com a emergência do editor como protagonista principal – no cenário da literatura afinal dominada pelas leis de mercado – o romancista de hoje está seguindo fórmulas, esgotadas ou não, que pouco importam para as calculadoras & caixas de editores & livreiros do crepúsculo literário”, polemiza.
Segundo Monteiro, a crise mercadológica/conceitual do romance já é crônica no Brasil, com os autores recebendo verdadeiras fórmulas de bolo dos seus editoras. “Dona Luciana Villas Boas – que editou romances meus, na Record – abre sua caixinha de receitas para prescrever o ‘romance’ como o gênero a ser praticado pelos jovens escritores (nada de conto e, muito menos, poesia – ‘maldita’ por natureza, para o Deus Mercado) e surgem romancistas por todo os lados, com e sem aspas. Nesse cenário, anunciei uma atitude de nadador contra a maré, ou seja, em 2009 resolvi abandonar o romance, para retornar à poesia, como protesto contra as receitas de ficção e também em solidariedade à arte do verso.”
Apesar de ser lembrado sobretudo por sua ficção da última década, Monteiro começou sua carreira nos anos 1970 como poeta. Retornou ao gênero em 2009 com Vi uma foto de Anna Akhmátova, lançado pela Fundação de Cultura do Recife. Nesse longo poema, não se restringia a cantar o mundo – permanecia um escritor em busca de uma história. “Para mim essa é a forma de escrever ficção daqui para frente – remando contra a maré, repito. Esse é ao mal dos espíritos livres, no meio do rio poluído da cultura de massa.”“A poesia precisa tentar recuperar o que Dámaso Alonso chamava de seu ‘contenido novelesco’. Isso foi responsável pela atraente forma narrativa que vigorou em outros tempos, e desde A odisseia, A divina comédia, O paraíso perdido. Nos poemas longos da tradição ocidental corre um fio novelesco em que – como no Anna – ‘algo está acontecendo’, em oposição à construção abstrata, em parte responsável pela esterilização da palavra poética. No Anna, eu proponho que os poemas mais do que nunca narrem, contem, relatem e, no final, ‘transcendentalizem’. A palavra de toque – em tempos de vulgaridade – é essa: transcendentalizar, ir mais além e mais fundo, na longa viagem para fora da noite do Mercado...”, continua Monteiro.Apesar da sua crítica ao romance, faz questão de ressaltar que não existem formatos literários ideais que devem ser impostos aos escritores: “Não há formatos ideais nem gêneros ideias, pelo menos para virem, ‘de fora’, a fim de serem colados ao mundo interior de um escritor. Não há receitas, como as do bolo de Dona Luciana Villas Boas. Há oferecimento do próprio pescoço, literatura de risco e verdade seguida até o fim: fora disso, tudo é bijuteria. Fora disso, é melhor se preparar pra ler os romances da ex-miss Vera Fischer, que já avisou ter mais de dez romances prontinhos da silva, todos tratando de personagens em viagens internacionais e outros luxos, porque a moça também confessou que não sabe ‘escrever para pobre’ etc. Sugiro que o prêmio Jabuti – que é muito feio – seja rebatizado prêmio Fixe (ou prêmio Ficha, marcada ou não) em prévia homenagem à qualidade dos romances ainda inéditos da Verinha.”
Monteiro aponta que sua produção ficcional é herdeira direta de um momento chave da produção brasileira recente, formada por autores como Osman Lins, Caio Fernando Abreu e João Antonio. “O romance é, ou deveria ser, um salto no escuro pós-joyceano, ou seja, uma aventura rumo ao centro da terra literária, e não o rebaixamento para o que ‘vende mais’), com e sem olhos verdes buarquianos – literatura apenas mediana premiada como grande – e todo esse sub-Leblon que baixou sobre a ficção do país de um criador do porte de Guimarães Rosa...”, conclui.


Postado por Clóvis Campêlo in:

http://geleiageneral.blogspot.com/2011/01/romance-e-cancer-da-literatura.html